28 outubro 2009

O homem de terno encardido

O homem de terno encardido

Estava lá o homem que vivia sentado no meio fio, de perna esticada para o meio da rua. Exalava um fedor solapante que enojava as moscas num raio de cinco metros ao seu redor. Trajava um terno mais sujo que a ficha criminal do Elias Maluco e uma calça mais asquerosa que o passado do presidente do Senado Federal. Dele só se aproximavam os bêbados e bêbado foi que o jovem Edgar o conheceu.
- Afi! Esse cheiro pode matar alguém de ânsia. Argh! - Comentou o rapaz enquanto despencava na calçada ao lado do maltrapilho.
O mendigo fechou um olho e espiou o atrevido com um ar desconfiado, encostando o queixo no peito. Soltou apenas um “uh” com a boca.
Mas a birita no sangue foi soltando a língua do Edgar e aniquilando o seu senso de limites.
- Se um urubu morresse depois de comer uma carniça de gambá e se o cadáver ficasse trinta dias no sol, o vômito dele teria esse cheiro. – irônico imaginar que, se estivesse sóbrio, Edgar jamais conseguiria compor tão poéticas comparações.
O fedido se enfezou, porém mantendo uma pachorra proporcional à ofensa:
- Eu mataria você se me dissesse isso um ano atrás. Respondeu olhando em direção à rua, como se respondesse a uma de suas moscas de estimação.
- Você tem cara de bandido.... Disse a voz mole de bêbado do Edgar.
- Eu só não te mato agora porque estou sem vontade.
- Aí! Não falei? Você já trabalhou de bandido antes de ficar fedendo na rua, não foi? – disparou o rapaz perdendo agora o senso do perigo – Qual é o seu nome? Foi um bandido famoso?
- Kent.
- Quente? Você devia ser ator pornô.
- Clark Kent, eu era jornalista e tô na rua por causa de mulher.
- Clark Kent!??? Hahaha! Vai dizer que está na rua porque a Lóis Leine te deixou?
- Aquela desgraçada. Começou a sair com o editor e eu comecei a ficar mais bêbado do que você.
- Hihihi... O superómi na sarjeta por causa de mulher! Essa é ótima.
Dessa vez, o mendigo ficou bravo de verdade. Com um só braço levantou um Fusca que estava estacionado ali perto e o arremessou do outro lado do quarteirão. Edgar imaginou que a cachaça que tomara era tão vagabunda que já estava dando alucinação. E aquela alucinação mal cheirosa virou a cara para ele e gritou – “Podia ter sido você!” apontando para o trajeto do Fusca voador.
Sentado na sarjeta, Edgar só viu o Superomem sair voando com uma cara raivosa. Enquanto observava aquela figura patética desaparecer no horizonte com um terno encardido no lugar da capa vermelha, teve outro insight poético de bêbado:
“Não adianta ter nascido em Kripton se você tem um espírito de pequenopolitano!”