09 abril 2009

A desguinomização

A desguinomização

Muito a contragosto parei de ouvir música celta. A música é bela e relaxante, mas traz um inconveniente terrível. Toda a vez que toca, as janelas da sala ficam cheias de guinomos atraídos pelo som. Justina, a empregada, chegou a passar água sanitária no vidro para ver se o verdume sairia qual mofo de banheiro. Que nada. Os danados são piores do que cracas em casco de nau velha. Não saíam nem com alicate. Liguei para o Departamento de Controle de Zoonoses da prefeitura que alegou não poder fazer nada por não haver registro de patologias causadas por guinomos. Respondi que o caso poderia ser grave, pois as pragas estavam impedindo a luz do sol de entrar na sala de casa. Para retirar fauna selvagem, disse a moça, só o corpo de bombeiros. Liguei para eles. Chegaram com uma gaiola, luvas, sacos e ganchos usados para pinçar cobras. Olharam para a infestação e tiraram o corpo fora. O senhor já procurou um serviço de dedetização? me perguntaram. Mas que veneno se usa contra isso? Respondi. Pois é. A gente é bombeiro, não dedetizador, moço! E botaram os ganchos nos sacos, as luvas na gaiola e foram embora. Veio o dedetizador. Não me chame de dedetizador, o DDT está proibido, eu trabalho com desratização e desinsetização, bradou o técnico. Seu desinsetizador, eu quero que tire isso daqui. Disse eu mostrando a massaroca verde. Eu acho que o senhor vai ter que procurar DDT. Mas não está proibido? Está, mas creio que o senhor vai precisar de uma coisa bem forte, eu nunca vi ratos verdes. Não são ratos, são guinomos. Nesse caso, não posso ajudar, como eu disse não sou desguinomizador. Eu queria poder ajudar o senhor, mas não conheço ninguém que trabalhe com desguinomização. Eu vou ficar com isso aí pra sempre na minha janela? Talvez a minha tia possa ajudar. Só se ela trabalhar com demolição, pois estou pensando em arrancar a janela. Dê uma chance à janela. Minha tia trabalha com bruxaria aplicada, não é que nem essas aí que ficam praticando bruxaria teórica e ficam com a cabeça nas nuvens viajando pelas estrelas. Não senhor. Minha tia usa os poderes dela produtiva e comercialmente e se ela não puder ajudar o senhor, arranque a janela ou venda a casa, pois ninguém mais vai ajudar. Vaticinou o sujeito ao me estender um cartão escrito “Aléia Páligas – Assessoria em Feitiços e Bruxaria Aplicada”. Ela tem experiência em guinomos? Perguntei. Sei não, respondeu ele, mas ela deve ter algum veneno que mata tudo. Chamei a velha. Não sei por que achei que era uma velha. Na verdade, Aléia era uma mulher baixa com seus 50 anos e uma peruca branca de velha. Entrou com um ar sinistro de bruxa e fez cara de má enquanto avaliava a situação. Perguntou como tinham ido parar ali, se dormiam e comiam bem, se costumavam fazer barulho, se tinham vindo da Irlanda mesmo ou do Paraguai... respondi só a primeira pergunta, no fim da quarta questão estapafúrdia gritei, a senhora também quer o tipo sangüíneo e a taxa de glicose de cada um? A mulher se ofendeu. Virou-se pra mim e disparou: posso resolver o caso, mas quero mil reais adiantados. O quê? E se a senhora não resolver? Fico no prejuízo? Já disse que eu posso resolver, mas quero adiantado por precaução. Mas quanto tempo vai demorar? Três minutos. O quê? A senhora acha que eu sou louco? É pegar ou largar, moço, tenho mais gente para atender. Ia fazer um cheque, mas ela não aceitou. Tive que ir ao banco pegar a dinheirama e voltar para casa. Pronto, disse jogando o maço de notas na mão dela. A mulher conferiu e embolsou o pacote. Agachou-se para a sua bolsa que mais parecia um saco de golfe de tão grande e começou a tirar coisas bizarras. Uma pata de galinha, uma bola de bilhar preta, um martelo, um escorredor de macarrão pequeno, uma caneleira com o emblema do Vasco, uma imagem de São Jorge e um pacote de lencinhos umedecidos. Ficou olhando um tempão para o interior da mega bolsa que poderia abrigar uma família de gatos com o conforto de uma cobertura triplex. Enfim tirou dela um envelope quadrado. Olhou para toda aquela quinquilharia espalhada pelo chão juntou tudo e devolveu a bugiganga para dentro. Abriu o envelope e tirou dele um CD. Ligou o som, e meteu nele o disco. Um barulho grotesco saiu das caixas acústicas. Imediatamente, a guinomada foi se descolando e desaparecendo da janela. Que som é esse? Perguntei. Latino, respondeu a mulher, uma das drogas mais pesadas que existe. Só costumo usar para maldições de nível 5.

4 comentários:

Fabiano Barreto disse...

Putz, impagável!!!!

Professora Gianna disse...

amei... tô inclusive virando fã!! rsrs

Fábio Reynol disse...

Obrigado, Fabiano e Conto Sem Fada!!!
Espero contar sempre com vcs por aqui!

Fabio

Unknown disse...

demais, Fa!!!