03 abril 2007

Aqui ninguém é santo


Querida Santidade o Papa,

Quem vos escreve é uma alma brasileira, 100% verde amarela, pertencente ao vosso rebanho do sul do Equador, terceiro quadrante, diocese de Aparecidinha. Entro em contato com a ousada tentativa de desfazer um mal entendido. Fiquei sabendo que vossa viagem a estas terras incluirá a cerimônia de lançamento do primeiro santo brasileiro. Talvez por vossa origem germano-saxofônica passe-vos despercebido uma verdade muito peculiar à cultura brasileira: a santidade não pega em nós. Pelo visto, vossa assessoria não vos comunicou esse infeliz detalhe.

Trata-se de um fenômeno fisico-bioquímico ainda não elucidado pela ciência e inexplorado pela religião. O fato é que somos completamente imunes às leis, às regras e, por conseguinte, à santidade. Ser santo e brasileiro é uma impossibilidade física, uma contradição natural, duas condições que jamais serão satisfeitas ao mesmo tempo. Por isso, não estranhai as gargalhadas quando falar da santidade nacional. Sua Santidade nunca se perguntou por que o maior país católico do mundo jamais teve um santo registrado em cartório eclesiástico? Nossos santos ou são importados (estamos sempre em déficit em nossa balança espiritual) ou são clandestinos, como a Escrava Anastácia ou o Santo Padim Padi Ciço.

Não somos subdesenvolvidos por acaso. Temos clima, terras e recursos para vivermos todos na opulência, mas temos a consciência de que quando isso acontecer, teremos que trabalhar e cancelar o carnaval, a praia e a cerveja. E é claro que Deus não nos deu uma terra linda dessas para ficarmos trancados dentro de uma fábrica ou de um escritório. Como vedes, nossa inteligência está acima da média mundial, porém ela não atenua a nossa alergia à santidade.

Sua Santidade vai entender a nossa santidade quando perceber que ser santo não tem a ver com fazer milagres. Se assim fosse a nação toda viraria altar, porque todo brasileiro é milagreiro por natureza. Veja o exemplo de dona Raimunda, cria seis filhos esperando o sétimo ainda no bucho. Com trocados que recebe lavando roupa, ela alimenta e cuida de todos tendo o cuidado de manter afastado o ex-marido alcoólatra que aparece de vez em quando para pedir dinheiro. Todos os dias ela pratica a multiplicação dos pães, anda sobre as águas do esgoto da sua rua e cura sem remédios os filhos doentes. Já viu alguém fazer isso? Todavia, a Santa Sé jamais dará sua chancela oficial à Santa Raimunda porque ela mora com o terceiro marido, virou evangélica e agora a convenceram a usar camisinha.

Desculpe, seu papa, mas nós não levamos nada a sério. A esculhambação, não o futebol, é o nosso esporte nacional. Descendentes de Vital Brasil, sabemos que a vacina vem do veneno, por isso a nossa santidade é cheia de pecados. Perdemos a missa, jamais a piada! Não somos sérios, graças a Deus.

Espero que esta mensagem chegue a tempo. Porém, se a canonização for mesmo inevitável (a esta altura do campeonato os pastéis de Santa Clara já devem ter sido encomendados) peço-vos a gentileza de designar o novo santo para apadrinhar nossos apagões. Além de nos ser útil, gera até boa rima: “São Galvão, Padroeiro do Apagão”. Se Sua Santidade chegar em meio ao apagão aéreo, me entenderá com toda certeza. A meu ver, no entanto, o ideal seria mesmo reconsiderar essa equivocada decisão.

Canonizai-nos todos, ou não beatificai ninguém!

2 comentários:

Má Ambar disse...

"Canonizai-nos todos, ou não beatificai ninguém!"

Santa Raimunda rogai por nós!!!

Perfeito!
Abraços

Ziro Desenhador disse...

Cara, que textaço!
Curti muito o Diário da Tribo, vou ficar antenado!
Abraços!